terça-feira, abril 28, 2009

Quilombo e quilombolas

Neste final de semana fiz, juntamente com outros colegas da UFRGS, principalmente acadêmicos do curso de história, uma Visitação Histórica a cidade de Mostardas. A parte que mais me interessou foi nossa ida ao Quilombo de Casca. Há muito que me interesso pelo tema e pude enriquecer meus conhecimentos, embora tenha ficado com “um gostinho de quero mais”, a experiência foi gratificante. Procurarei neste breve relato sintetizar um pouco da fala de Nilza, quilombola e artesã, que tão gentilmente nos acolheu e contou um pouco sobre sua comunidade.
Não vou procurar me ater muito à história propriamente dita do quilombo, pois os dados que coletamos estão muito bem registrados no seu site. Minha fala procurará dar ênfase ao relato de Nilza contando como o quilombo é visto pelos próprios quilombolas.
Uma das primeiras perguntas que lhe dirigiram é o porquê do nome de Quilombo de Casca. Segundo ela teria vindo dos morros de cascas, os sambaquis. Por muito tempo nem sabiam o que era um sambaqui. Depois descobriram que os sambaquis eram depósitos construídos pelo homem constituídos por materiais orgânicos, restos de peixes, conchas, etc. Em cima do qual os índios do litoral habitavam e enterravam seus mortos. Esses verdadeiros morros de conchas foram depredados em sua maioria para a retirada do calcário, muito utilizado em construções.
Segundo Nilza, a história da formação do quilombo não era ensinada na escola e pouco comentada no seio da comunidade. Muitos deles queriam até mesmo esquecer este passado. Alguns deles nem ao menos se consideravam negros, classificando-se como morenos. Tratava-se de querer esquecer sua origem. Hoje em dia, eles têm um bom professor de história que tenta resgatar as memórias do quilombo e sua cultura. Com o passar do tempo voltaram a se considerarem negros, mas ainda não há aquele orgulho de ser negro, de ser quilombola. Pela sua fala estes valores estão novamente sendo recuperados e estão tomando consciência de sua importância, algo há muito esquecido e reprimido.
“Agora com um presidente negro pode ser que isso mude que eles se assumam e lutem” – Nilza, referindo-se ao presidente dos Estados Unidos da América, Barak Obahma.
Analisando as falas de Nilza e de outros quilombolas me parece que foi preciso uma presença externa para resgatar os seus valores internos. Viveram um período de esquecimento e perda de identidade, querendo apagar o passado de sofrimentos e humilhações que seus antepassados sofreram. De sua cultura nada restou além do Terno de Reis. Mas a dignidade de ser um quilombola está sendo construída, ou reconstruída, aos poucos. Passou o período de esquecer, chegou o tempo de lembrar um passado e passar a ter orgulho dele. Recuperar uma cultura talvez leve tanto tempo quanto levou para esquecê-la. Dos muitos exemplos externos é interessante que o orgulho de verem um presidente negro eleito também lhes ajude a reconhecerem o seu próprio potencial e a origem comum da diáspora negra.

terça-feira, abril 21, 2009

Esta semana participei de um seminário sobre a questão indígena. Foi muito ilustrativo, com a participação de antropólogos, historiadores, e pessoas que trabalham com essa temática. E como não poderia deixar de participar, os próprios índios, destaco a presença do cacique Cirilo, da tribo Mbyá-Guarani, localizada na Lomba do Pinheiro. Evento este que pretendo abordar brevemente aqui. Por hora, gostaria de dizer que tal evento foi muito útil para minhas reflexões ao trabalhar com a questão étnico racial em sala de aula.
Segue o trabalho que produzi na disciplina de Questões étnico raciais na educação

Trabalhando Raça e Etnia em Sala de Aula

Já há longo tempo venho trabalhando com a construção da Linha do Tempo com meus alunos. Ao iniciar o ano solicito que façam uma pesquisa junto as suas famílias, que lhes possibilite resgatar sua historia através da Linha do Tempo. Desta maneira os alunos descobrem suas origens e os principais acontecimentos que ocorreram ao longo de suas vidas. Em conjunto com a árvore genealógica e a origem de suas famílias, trabalhando assim conceitos básicos de história e sociedade.
Ao receber a proposta da atividade de trabalhar com a questão étnica racial, resolvi dar continuidade a este trabalho que já estava em andamento. Porém, tive que rever alguns conceitos. O que é raça? O que é etnia? A questão do racismo e suas conseqüências não é novidade em nosso meio e já trabalhei, e já vi muitos trabalhos que abordavam o assunto. Então o porquê de minha estranheza? Durante esse mesmo período participei de um seminário sobre a questão indígena, troquei várias informações sobre outras pessoas e li materiais sobre a questão étnica racial. Como, conclusão de todas essas atividades percebi que não estava apta a tratar do tema com meus alunos. Como aproximar deles uma linguagem tão complexa e contraditória? Nesta minha tentativa, vi-me obrigada a aprofundar meus estudos.
Segundo a ciência moderna raça humana é uma só. Não há como diferenciar as diferentes diversidades que compõem a população humana. A raça pura é um mito há muito derrubado. Será errado então falarmos em diferentes raças, como a raça branca, negra, indígena e asiática? Na tentativa de resolver o caso e destacar essas diferenças, os antropólogos optaram pelo conceito de etnia. Vemos então que a questão étnica racial nada mais é do que uma adaptação cultural para destacarmos que existem diferentes raças e ao longo da história houve a exploração de uma pela outra. Se assim não o fizéssemos não poderíamos falar em racismo, pois não havendo raças a discriminação seria apenas algo imaginário. Sabendo que esta chaga ainda está aberta e na busca da igualdade de direitos é que resgatamos este conceito de etnia e raça. Etnia por sua vez se tornou um conceito bem mais amplo, pois podemos diferenciar diferentes povos quer pela cultura e língua, quer pelos seus costumes. Vale dizer que entre os índios, conceito mais amplo de raça, possuem diversas etnias: guaranis, tapuias, charruas, tupis, etc. Poderíamos destacar o mesmo entre os negros: zulus, bandos, pigmeus. Até mesmo entre brancos: alemães, italianos, catalões, sérvios e bósnios, etc. O que se destaca não é mais apenas a cor da pele, embora esta ainda seja a principal característica, mas agora fatores culturais também são levados em conta.
Como tentei resumir no parágrafo acima esta é a questão que eu deveria levar para sala de aula. Como fazer um mosaico étnico racial sem rotular meus alunos como sendo: negros, brancos ou índios? Ao levantar suas origens trabalhando com suas ancestralidades naturalmente nos “classificamos” como negros ou brancos, alguns com origens indígenas, embora não se considerassem como tais.
Surgiu então através deste quadro a possibilidade de se trabalhar: Afinal o que é raça? Somos ou não somos todos humanos. Devemos ter orgulho de sermos brancos, negros, índios, asiáticos? Demos início a um longo diálogo sobre as questões étnicas raciais e principalmente ao racismo, sobre as suas diferentes formas. A partir daí montamos um mosaico com nossas fotos, onde se sobressaia na parte central meus alunos e na parte externa, fotos de seus parentes e de suas infâncias. Não rotulamos as pessoas como brancas ou negras, assim como a sua origem geográfica. Consideramos-nos como sendo brancos ou negros e sabemos nossa origem, porém cada um tem a consciência que não deverá ser considerado melhor ou pior por suas características herdadas. Construímos assim nossa formação étnica racial e resgatamos nossas origens sem nos valermos de conceitos ou preconceitos. Dando continuidade ao trabalho montamos um vídeo com fotos dos alunos e seus familiares.

segunda-feira, abril 20, 2009

Identidade

Todos têm uma identidade, e é a partir dela, que costumo dar início as aulas. Propondo atividades onde cada um possa encontrá-la, com o auxílio da família, dos relatos, das memórias familiares e individuais.
Neste ano realizei com meus alunos uma linha do tempo e pesquisamos a origem dos seus nomes (o porquê da escolha dos pais). Muitos não sabiam sobre seus nomes, sobre seu nascimento e detalhes como: o local, a hora, medidas, etc. Descobriram histórias de suas infancias que não lembravam ou desconheciam. Com a ajuda da família construíram suas biografias, e depois as apresentaram aos colegas, sob forma da linha do tempo. Foi um momento muito gostoso, onde cada um expôs suas histórias do seu jeito, cada um virou um pequeno historiador resgatando um pouco da história, onde todos foram participantes ativos. Tudo foi devidamente registrado e resolvemos fazer um vídeo com as imagens da apresentação.

Com a devida autorização dos pais, compartilho com todos esses momentos.

segunda-feira, abril 13, 2009

Um pouco de todos, um pouco de mim.

Ao realizar o trabalho sobre ancestralidade, abri o velho álbum de fotos da família e encantei-me com tantos achados, tantas recordações que estavam esquecidas, perdidas na memória, elas trouxeram uma saudade querida. Então, resolvi compartilhar as lembranças e imagens com todos.
Minha caixinha de fotos trouxe à lembrança muitos sentimentos, tal qual a caixa de Pandora, com a única diferença que todos os sentimentos foram bons.
Vi um pouco de mim, do que sou e do que fui. Vi um pouco do todo que ajudou a tornar-me o que sou. Parentes, amigos, minha ancestralidade e minhas escolhas. Nós somos um pouco disso tudo.
Algumas coisas herdadas, outras adquiridas. Algumas moldadas com o tempo, outras perdidas na estrada. O hoje deve muito ao passado. O amanhã tem sua base formada nestes pequenos momentos. Minha caixinha resgata um período que por mais esquecido que estivesse sempre fará parte de mim.

domingo, abril 05, 2009

Advogada do diabo

Em nossas vidas, muitas vezes somos obrigados a defender ideias que nem sempre condizem com o nosso modo de pensar, porém a situação e o meio nos levam a tomarmos decisões que nos forçam a utilizar uma boa dose de empatia. Felizmente nunca fui obrigada a ir contra os meus princípios éticos e morais, o que não impede de argumentar em prol de idéias das quais não compartilho. Existem inúmeros casos onde tais princípios são quebrados: advogados de maus clientes, professores de escolas particulares que são obrigados a seguir a ideologia da escola mesmo não concordando. E assim existem vários outros exemplos. Na realização da atividade proposta na interdisciplina de Filosofia da Educação fui levada a argumentar a favor de uma idéia com a qual não concordei. Foi proposto o seguinte trabalho “O seu grupo será responsável por DEFENDER a decisão do antropólogo. Então vocês precisarão criar até 3 argumentos JUSTIFICANDO a decisão dele.” Tive que ser então o que chamamos de advogado de diabo, ou no caso em questão advogada do antropólogo. Segue abaixo o texto do antropólogo e minha argumentação.

O dilema do antropólogo francês

Claude Lee, antropólogo francês, acaba de chegar numa ilha de um arquipélago na Polinésia. Sua missão é pesquisar os hábitos dos nativos que lá habitam. Os costumes dos nativos são bastante diferentes dos costumes dos franceses, mas ele tem o cuidado de não julgar o modo como estes nativos vivem, porque tal avaliação sempre seria parcial. Como poderíamos abstrair sinceramente a concepção de mundo que herdamos da nossa cultura e avaliar imparcialmente todas as culturas?
O antropólogo tem ainda outro argumento: qual seria a medida pela qual julgaríamos as culturas? Existem quesitos transculturais que nos permitem avaliar toda e qualquer cultura? A reposta do antropólogo é não: toda avaliação está condicionada pela cultura do avaliador.
Assim, Claude decidiu jamais interferir no modo de vida dos habitantes do arquipélago. Estes, contudo, possuem uma crença que testa a determinação do antropólogo: os nativos acreditam que os mensageiros dos deuses são homens de pele branca, seres que expressam a vontade absoluta dos deuses – tudo o que disserem deverá ser obedecido. O teste ocorre na pergunta que eles lhe fazem: “você tem a pele branca, então você é um mensageiros dos deuses, ou as nossas crenças estão erradas?”
O antropólogo, fiel aos seus princípios, mente: “sim, eu sou o mensageiro dos deuses”. Mas então surge uma pergunta ainda mais difícil: “todos os homens brancos são mensageiros dos deuses, ou as nossas crenças estão erradas?”
Claude reflete: se responder positivamente estará deixando os nativos vulneráveis aos seus conterrâneos inescrupulosos que fatalmente descobrirão a ilha. Mesmo assim, responde de acordo com a cultura dos nativos: “sim, todos os homens brancos são mensageiros dos deuses”.

Minha argumentação:
Ao fazer sua escolha de não intervir na cultura dos nativos da ilha, o antropólogo não deve prepará-los para um possível contato com outros brancos iguais a ele. Se assim o fizesse estaria interferindo. Deixar aos nativos a escolha de tratá-lo ou não, como um mensageiro dos deuses, seria a melhor maneira de não deixar a sua cultura prevalecer sobre a deles. O problema ético do mau uso que outros brancos poderiam ou não fazer desta escolha não lhe pertenceria. Ao fazer isso estaria interferindo, fazendo um prejulgamento do que seria certo ou errado. Se sua intenção não era contrapor sua cultura com a dos nativos nada poderia