sábado, abril 07, 2007


Ontem minha família aumentou...
Ganhei um lindo cachorrinho, o Thor Mello Demaman.
Ele é muito, muito fofo...estou adaptando ele com o maninho, o Hermes... Espero que eles se entendam legal.
Esse final-de-semana quero curtir muito minha família...
Smackkkkkkk

quarta-feira, abril 04, 2007


O MENINO E A BORBOLETA ENCANTADA


Na madrugada do dia 31/3 meu avô faleceu. Há muitos meses ele estava acorrentado em uma cama de hospital... Finalmente sua alma pode sair livremente por aí... a procura de alguma aventura, como tantas que ele vivenciou. Também vivi muitas aventuras com ele, muitas dessas foram relatadas por ele... Adorava chegar na sua casa, sentar num banquinho qualquer e ouvir aquele homem sábio, falar de coisas imensas, múmias, faraós, Egito, Grécia, falar das plantas, dos animais, do dia-a-dia. Tudo ficava tão especial quando falado por ele. Algumas coisas ele vivenciou "ao vivo e a cores" outras leu, e com isso aprendi a amar os livros.

E não por coincidência no mês passado, o Rubem Alves escreveu um conto maravilhoso, que na primeira leitura já me fez lembrar do meu avô. Quando li o texto, pensei: "Puxa, o Rubem escreveu a minha relação com o meu avô!" Demais! Quero pedir licença a todos e ao Rubem para me "adonar" deste texto - que foi feito prá nós dois - e postá-lo aqui. Leiam com carinho, porque é com muito carinho que coloco aqui...



Mil e uma noites haviam se passado desde que o Pássaro Encantado partira. Então ele voltou. Era madrugada. A menina o viu tão logo a luz alegre do Sol fez brilhar as suas penas. Ela o estava esperando. Os apaixonados esperam sempre...Ah! Como foi bom aquele abraço de saudade! Desta vez as penas estavam coloridas com as cores das florestas sobre as quais voara. O Pássaro Encantado pôs-se então a cantar os seres das matas, árvores, orquídeas, regatos, cachoeiras, elfos e gnomos... A Menina não se cansava de ouvir. Ouvia e pedia que ele contasse de novo as mesmas estórias, do mesmo jeito. E assim viviam os dois, se amando por dias e dias.
Mas sempre chegava o momento em que o Pássaro dizia: “Menina, o vôo me chama. Preciso partir. É preciso partir para o nosso amor não ter fim. O amor precisa de saudade para viver...” A Menina chorava baixinho, mas compreendia. E assim o amor acontecia entre partidas e retornos.
As asas do Pássaro pareciam incansáveis. Estavam sempre à procura de lugares desconhecidos. Ele já visitara montanhas encantadas, planícies geladas, lagos, rios, abismos, castelos, uma cidade na divisa entre a realidade e a fantasia, um reino onde era proibido estar triste, lugares sagrados, vulcões, o país dos dragões verdes e dos gigantes amarelos, jardins, selvas verdes, mares azuis, praias brancas... Sobre todos esses lugares ele lhe contara estórias. A Menina não tinha asas. Mas ela voava nas estórias que o Pássaro lhe contava.
Mas os anos foram se passando. O Pássaro envelheceu. Suas asas já não eram as mesmas da juventude. E também os seus sonhos já não eram os sonhos da mocidade. Deseja-se partir quando é manhã. Mas quando o sol se põe o que se deseja é voltar. E assim um desejo novo surgiu no coração do Pássaro crepuscular: voltar...
O Sol acabara de se pôr. Vênus brilhava no horizonte. Foi então que a Menina o viu. Suas penas pareciam incendiadas pelo Sol. Depois do abraço ele disse para a Menina algo que nunca lhe dissera antes: “Menina, conte-me as estórias da minha ausência...” E foi assim que, pela primeira vez, o Pássaro se calou e a Menina lhe contou estórias.
Por muitos dias o Pássaro e a Menina gozaram do seu amor. Mas o Pássaro já não era o mesmo. Algo acontecera com os seus olhos. Já não procuravam horizontes longínquos. Eles olhavam as coisas simples que havia na sua casa, coisas que sempre estiveram lá, mas que ele nunca havia visto. Não vira porque o seu coração estava em outro lugar.
É o coração que nos diz o que é para ser visto.
Aconteceu então, num dia como os outros, o Pássaro abraçou a Menina e sentiu, nas costas dela, algo que nunca sentira. “Menina, o que é isso?”, ele perguntou. Ela enrubesceu e respondeu: “Asas, pequenas asas... Estão crescendo nas minhas costas...” E para que ele as visse baixou sua blusa. E ele viu. Sim, pequenas asas, delicadas asas, asas de borboleta, coloridas, diáfanas, frágeis... E ele percebeu que a Menina se preparava para voar. Sua Menina se transformara numa borboleta...
O Pássaro sorriu uma mistura de alegria e de tristeza. Sentiu um leve tremor nos lábios, aquele mesmo tremor nos lábios que vira nos lábios da Menina a primeira vez que lhe dissera: “Eu quero partir...” Chegara a hora em que ela partiria e ele ficaria. Ele seria, então, aquele que esperaria. Como é dolorido ficar! A solidão de quem fica é maior que a solidão de quem parte! Quem parte vai para mundos novos, cheios de maravilhas desconhecidas. Quem fica, fica num espaço vazio, de objetos velhos, esperando, esperando, contando os dias.
O momento da despedida chegou. A Menina, flutuando com suas grandes asas de borboleta, disse ao Pássaro: “Preciso partir...”
O Pássaro teve vontade de chorar. Queria lhe dizer "Não vá. Eu a amo tanto”. Mas não disse. Lembrou-se de que essas haviam sido as palavras que a Menina lhe dissera a primeira vez. O Pássaro temia por ela. Suas asas eram tão frágeis, asas de borboleta que quebram-se a toa. Queria estar com ela para consolá-la na solidão e no cansaço. Mas não fez gesto algum. Ele sabia que os abraços que não se abrem são mortais para o amor.
Estendeu a sua mão num gesto de despedida. A Borboleta voou e nela pousou. Ele se aproximou dela, como se fosse beijá-la. Mas não beijou. Apenas soprou suas asas suavemente. “Voa, minha linda Borboleta”, ele disse, se despedindo. A Borboleta bateu suas asas, voou e desapareceu na distancia.
Então, ao olhar de novo para si mesmo ele não se reconheceu. Já não era o Pássaro Encantado de penas coloridas. Transformara-se num Menino... Um Menino que esperava a volta da Borboleta Encantada. Então ele voaria nas asas das estórias que ela haveria de lhe contar...
Rubem Alves